Guimarães Rosa
Os contos e romances escritos por Guimarães Rosa ambientam-se quase todos no chamado sertão brasileiro. A sua obra destaca-se, sobretudo, pelas inovações de linguagem, sendo marcada pela influência de falares populares e regionais que, somados à erudição do autor, permitiu a criação de inúmeros vocábulos a partir de arcaísmos e palavras populares, invenções e intervenções semânticas e sintáticas.
Biografia
Foi o primeiro dos sete filhos de Florduardo Pinto Rosa ("Fulô") e de D. Francisca Guimarães Rosa ("Chiquitinha").Autodidata, começou ainda criança a estudar diversos idiomas, iniciando pelo francês quando ainda não tinha 7 anos, como se pode verificar neste trecho de entrevista concedido a uma prima, anos mais tarde:
“ | Eu falo: português, alemão, francês, inglês, espanhol, italiano, esperanto, um pouco de russo; leio: sueco, holandês, latim e grego (mas com o dicionário agarrado); entendo alguns dialetos alemães; estudei a gramática: do húngaro, do árabe, do sânscrito, do lituano, do polonês, do tupi, do hebraico, do japonês, do checo, do finlandês, do dinamarquês; bisbilhotei um pouco a respeito de outras. Mas tudo mal. E acho que estudar o espírito e o mecanismo de outras línguas ajuda muito à compreensão mais profunda do idioma nacional. Principalmente, porém, estudando-se por divertimento, gosto e distração. | ” |
Em 27 de junho de 1930, casou-se com Lígia Cabral Pena, de apenas 16 anos, com quem teve duas filhas: Vilma e Agnes. Ainda nesse ano se formou e passou a exercer a profissão em Itaguara, então município de Itaúna (MG), onde permaneceu cerca de dois anos. Foi nessa localidade que passou a ter contato com os elementos do sertão que serviram de referência e inspiração a sua obra.
De volta de Itaguara, Guimarães Rosa serviu como médico voluntário da Força Pública (atual Polícia Militar), durante a Revolução Constitucionalista de 1932, indo para o setor do Túnel em Passa-Quatro (MG) onde tomou contato com o futuro presidente Juscelino Kubitschek, naquela ocasião o médico-chefe do Hospital de Sangue. Posteriormente, entrou para o quadro da Força Pública, por concurso. Em 1933, foi para Barbacena na qualidade de Oficial Médico do 9º Batalhão de Infantaria. Aprovado em concurso para o Itamaraty, passou alguns anos de sua vida como diplomata na Europa e na América Latina.
No início da carreira diplomática, exerceu, como primeira função no exterior, o cargo de Cônsul-adjunto do Brasil em Hamburgo, na Alemanha, de 1938 a 1942. No contexto da Segunda Guerra Mundial, para auxiliar judeus a fugir para o Brasil, emitiu, ao lado da segunda esposa, Aracy de Carvalho Guimarães Rosa, mais vistos do que as cotas legalmente estipuladas, tendo, por essa ação humanitária e de coragem, ganhado, no pós-Guerra, o reconhecimento do Estado de Israel. Aracy é a única mulher homenageada no Jardim dos Justos entre as Nações, no Yad Vashem que é o memorial oficial de Israel para lembrar as vitimas judaicas do Holocausto.
No Brasil, em sua segunda candidatura para a Academia Brasileira de Letras, foi eleito por unanimidade (1963). Temendo ser tomado por uma forte emoção, adiou a cerimônia de posse por quatro anos. Em seu discurso, quando enfim decidiu assumir a cadeira da Academia, em 1967, chegou a afirmar sob tom sarcástico: "…a gente morre é para provar que viveu."[1] Faleceu três dias mais tarde na cidade do Rio de Janeiro, em 19 de novembro. Se o laudo médico atestou um infarto, sua morte permanece um mistério inexplicável, sobretudo por estar previamente anunciada em sua obra mais marcante — Grande Sertão: Veredas —, romance qualificado por Rosa como uma "autobiografia irracional". Talvez a explicação esteja na própria travessia simbólica do rio e do sertão de Riobaldo, ou no amor inexplicável por Diadorim, maravilhoso demais e terrível demais, beleza e medo ao mesmo tempo, ser e não-ser, verdade e mentira. Diadorim-Mediador, a alma que se perde na consumação do pacto com a linguagem e a poesia. Riobaldo (Rosa-IO-bardo), o poeta-guerreiro que, em estado de transe, dá à luz obras-primas da literatura universal. Biografia e ficção se fundem e se confundem nas páginas enigmáticas de João Guimarães Rosa, desaparecido prematuramente aos 59 anos de idade, no ápice de sua carreira literária e diplomática.
Contexto literário
Realismo mágico, regionalismo, liberdades e invenções linguísticas e neologismos são algumas das características fundamentais da literatura de Guimarães Rosa, mas não as suficientes para explicar seu sucesso. Guimarães Rosa prova o quão importante é ter a linguagem a serviço da temática, e vice-versa, uma potencializando a outra. Nesse sentido, o escritor mineiro inaugura uma metamorfose no regionalismo brasileiro que o traria de novo ao centro da ficção brasileira.Guimarães Rosa também seria incluído no cânone internacional a partir do boom da literatura latino-americano pós-1950. O romance entrara em decadência nos Estados Unidos (onde à época era vitrine da própria arte literária, concorrendo apenas com o cinema), especialmente após a morte de Céline (1951), Thomas Mann (1955), Albert Camus (1960), Hemingway (1961), Faulkner (1962). E, a partir de Cem anos de solidão (1967), do colombiano Gabriel García Márquez, a ficção latino-americana torna-se a representação de uma vitalidade artística e de uma capacidade de invenção ficcional que pareciam, naquele momento, perdidas para sempre. São desse período os imortais Mario Vargas Llosa (Peru), Carlos Fuentes (México), Julio Cortázar (Argentina), Juan Rulfo (México), Alejo Carpentier (Cuba) e mais recentemente Angel Ramá (Uruguai).
Obras
- 1936: Magma
- 1946: Sagarana
- 1947: Com o Vaqueiro Mariano
- 1956: Corpo de Baile
- 1956: Grande Sertão: Veredas
- 1962: Primeiras Estórias
- 1964: Campo Geral
- 1965: Noites do Sertão
- 1967: Tutaméia – Terceiras Estórias
- 1969: Estas Estórias (póstumo)
- 1970: Ave, Palavra (póstumo)
Academia Brasileira de Letras
É o terceiro ocupante da cadeira 2, eleito em 6 de agosto de 1963, na sucessão de João Neves da Fontoura e recebido pelo acadêmico Afonso Arinos de Melo Franco em 16 de novembro de 1967.Sorôco, sua mãe, sua filha
releitura do conto de Guimarães RosaSobre caminhos que se desdobram
Seguindo com forças de suas pernas
Ao destino de conforme
Sorôco vai brioso no vestir
Endereçar novo alento a sua vida.
Entristecido pelo modo
De sua mãe e sua filha
- Há tanto piorado –
Levava para a estação
Aquelas duas formas do seu viver
Que logo, não mais seria.
Feito quem vai garboso
Entrar numa igreja selar compromisso
Vinha ele firmar sua decisão
Sob os olhos neblinados do povo.
A moça, sua filha,
Enfeitada de gosto único
Sem pretensa de coisa
Cantava o que lhe vinha
Fazendo roda, girando mundo,
Como se fosse rainha.
Sendo a essa parecida,
Revolta em compassos próprios
No ritmo de sua razão,
A mãe de Sorôco
Dava constância no disparate.
Ao que todos entendiam
Pela dor também sentida,
Que de tudo feito, mais não se podia.
E no consenso dos presentes
Volvia àquele homem grande estima.
Já chegada a hora,
Deram-se fim aos aprestes...
Tudo em ordem,
Foram elas no de sempre
Sem recebimento de adeus
Para dentro do trem.
Mas de um importante
Não sabia aquele povo.
Que a música estabelecida
Pelas duas no entrosado
Repousava agora no íntimo profundo
Daquele desgraçado.
O seu rumo se seguia
Meio cambaio,
Como fora de conta.
E num de repente, de chofre,
Descontinuou o passo,
Continuando, para si, a cantiga.
Numa ligação de saudade
Que se cumpria em distância
Sua voz altaneira
Fazia elo de disparate
No desajeitado cantar
Daquelas duas que já iam.
E com espanto e surpresa
Seguia em força de correnteza
No encantado de sua dor.
Para além de si
Ele mesmo agora
Cantando ia
Sob o sol de todo o mundo.
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